sábado, 26 de abril de 2008

Então ele corre repentinamente, e eu não consigo explicar. “Mas está tudo aqui, tudo que você pediu!”. Ai faz muito frio, grito “PAI!”, mas ele não volta. Nem volta, nem se volta. E eu fico perdida, juntando aquele monte de tralha do chão, me perguntando como cheguei até aquele momento. Novamente, não posso explicar. Timing é um bem precioso, e eu nunca tive o meu.

De repente, algo em mim lhe chama atenção e ele me olha. “Que estranho, vai embora, agora chega.”. Sem muito motivo, ou todos eles, as palavras me faltam. Os olhos azuis me analisam, será que mereces compaixão, Carne Minha? Assim, como que subitamente, eles decidem que não.

Alguns anos se passam e eu apodreci nas tralhas. Remoendo mil questões, como “Por que diabos trouxe comigo flores, tamanhas coisas efêmeras?”. Meus punhos se fecham e no horizonte vejo o pai que retorna. Ele não está só. Traz consigo uma linda menininha, um algo completamente divino. Eu espero, desconfio, mas dos meus olhos correm lágrimas, e já não posso conter. Ele vem, deixa a menina e ela salva a minha vida. Porque,quando ele partiu, algo em mim morreu. Algo em mim, destroçado mim, ficou vazio, incompleto. Pra sempre, ele seria(é) o cara que partiu, o cara que não segurou a minha mão nos dias de tempestade, o cara que me abandonou no altar, o cara que me traiu, o cara que me deixou só, cuidando de duas filhas.

Ela, e somente ela, me trouxe a luz de uma infância que tive, mas não vivi. Não vivi porque era oca, marginal, embora ostentasse o sorriso infantil. À ela, minha menininha, eu só posso agradecer.
“Com todo amor,

Luiza.”

Agora, passo por um processo previamente bem-sucedido de beatificação. É sagrado o louvor que tenho pelas minhas tralhas, elas não são tralhas. São pedaços de pano, são cobras na estrada, são casas floridas, são promessas, são sonhos, são ele, somos nós, sou eu. eusoueusoueusoueusoueusoueusoueusoueusouseu

E sempre mais.

Pode me jogar da janela, pai. Eu vôo.

15 comentários:

Anônimo disse...

nossa, luiza. :~

Pí Ême. disse...

Lindimais.

Arrepiei.

parabéns, Lui.

Unknown disse...

palmas.
=D

Kamila Zanetti disse...

gostei tanto do que escreve,li vários ...

Adoniran Leblon disse...

eu queria xingar você agora...

de oportunista.

te olhando com raiva.

mas é só porque eu podia jurar pra mim mesmo que seria só mais "um texto qualquer jogado na net".

até ler e me arrepiar...

bernard disse...

Nesse você se superou, hein Luiza.

Quero ver fazer um desses com o assunto educação no trânsito.

Anônimo disse...

Uau, dilacerante.

"E daí, eu adoro voar!"

Vitor Graize disse...

por tópicos:
pai. taí algo que causa sensações controversas.

like a prayer é a melhor musica pra nascer ao som até agora. vai, confessa. hehe

e o bolaño, acho que ele tem razão. vocês são cruéis.

Gustavo Lopes disse...

bacana de verdade!

Cinéfilo disse...

É aí (neste beco sem saída) que reside a verdadeira escrita, Luíza. Nesse emaranhado de narrações que, de fato, são uma só. Assim como as pessoas que vemos tb são apenas uma: nós mesmas num espelho.

Eis a vida, Luíza, pronta para ser usada.

Raphael disse...

quem tem conteudo é vc!
ótimo texto. parabens...

Roberto Passos do Amaral Pereira disse...

Hoje, lendo a entrevista de sua avó, fiz estes versos inspirado no que disse e deixou nas entrelinhas.


Quando ela Chega


Não bato à porta
E não a chamo.
A poesia simplesmente me visita
Traz laço de fita para a minha vida.
No silêncio da madrugada,
em meus sonhos
Ou no trabalho.
Quando ele chega
me beija a alma.
Rabiscos vontades,
Saudades e dores.
Flores de todas as cores
Rosários de meus amores..



Roberto Passos do Amaral Pereira.

http://recantodasletras.uol.com.br/autores/emescam

Aline Dias disse...

eu tive que ler mais de uma vez pra pegar tudo.
Primeiro senti o ritmo. tudo rapdo depois tudo lento.
rápido por que era um turbilhão de coisas e sentimentos mal resolvidos e que parece que não se sabe ao certo de onde vieram.
Depois parece que vem análise e conformidade.

E angústia no texto inteiro.

Eu devia ter te lido antes.

Alliny Ribeiro disse...

Me orgulho de você, por em seus 19 admirar, velar e respeitar suas "tralhas"... por ter coragem de resgatar sua infância na beleza ingênua de quem pode ser criança...por criar asas!
Mas, estranhamente, no meio disso me orgulho de mim mesma...e aí já não fica tão fácil de esclarecer...
Talvez seja por em meus 27 conseguir enxergar de longe (e com uma facilidade exagerada) alguém como você...
grande beijo
Alliny

raisa . disse...

impressionante...